segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

amor

Make Up_Parsifal_2010

Participar de um relacionamento pode ser uma grande riqueza.
Ter a companhia de alguém em quem se confia...
Tocar, beijar, estar lá, presente, ouvir... ouvir...ouvir
Ver a diferença do outro com respeito, com gratidão pela oportunidade de receber, de ser recebido... pedir desculpas...
Se aprofundar na arte de conhecer o outro e de se revelar sem medo. Conseguir enxergar o novo na mesma pessoa...
Não é uma questão de amor, é uma questão de educação. De saber como ser gentil, porque aprendeu a ser gentil consigo próprio, de dar espaço para a outra pessoa, porque já conquistou seu espaço interno, de saber respeitar a diferença do outro, porque aprendeu a colocar a sua própria individualidade sem medo, sem imposição, sem arrogância... Amor é que pode nascer depois disso.
Ainda temos muito a fazer na área da educação.

Texto: Cuca Righini
Foto: Foto Pipo

o barco a vela e o navio

Portsmouth_2010
Era uma vez um barco a vela muito especial. Era inteirinho feito de madeira. Tinha sido construído na Finlândia por um designer de veleiros bem velhinho. O barco já havia feito várias viagens quando foi adquirido por uma velejadora entusiasta, mas sem muita experiência. Apaixonada pela sua nova embarcação, ela se dedicou profundamente ao estudo da navegação a vela e, ao longo dos anos, com esforço e dedicação se tornou uma excelente navegadora. Conseguiu desenvolver a capacidade de perceber as nuances e as sutilezas das águas e dos ventos, de forma que, embora sua embarcação fosse de certa forma frágil, ela conseguira atravessar grandes mares e evitar muitas situações perigosas. Seu barco todo de madeira, também exigia dela muito trabalho e manutenção. O trabalho na preservação do barco e no aprofundamento das habilidades de velejar consumia muita de suas energias, mas ela o fazia com afinco e prazer. E assim, depois de alguns anos velejando ela sentia vontade de navegar distâncias maiores e encarar novos desafios.
Certo dia, ao aportar numa baia conhecida, encontrou vários outros velejadores, donos de lancha e também outras embarcações maiores. Festejando o re-encontro numa noite quente e alegre, ela acabou re-encontrando o proprietário de um navio muito grande e poderoso, que há muito tempo ela não encontrava. Velejadores e proprietários de navios não costumam ter grande amizades, pois os estilos de navegação são obviamente muito distintos por conta da grande diferença entre as embarcações. Mas, estranhamente, esses dois sentiram uma forte vontade de se conhecer melhor e passar mais tempo juntos, o que implicou em aprender a navegar lado a lado... A dificuldade é que conforme o navio cortava as águas fazia grandes ondas ao seu lado o que dificultava a aproximação do barco a vela. Mesmo assim, gostavam de ter a companhia um do outro e gostavam do movimento de vai e vem que tinham que fazer para driblar a marola.
Mas esse era um movimento muito mais trabalhoso para o barco a vela do que para o navio, e por esta razão, um dia resolveram erguer o barco a vela com um dos guindastes do navio e a velejadora passou a viver por um tempo no navio. A princípio, além de gostar muito de sua presença, o proprietário do navio admirava muito a velejadora e não se cansava de ouvir suas histórias. A velejadora, por sua vez, admirava-se de todo o equipamento e volume de trabalho que um navio exigia. Sua sensibilidade e percepção para as sutilezas dos ventos e das águas não era muito necessária na navegação de um navio, pois o motor potente enfrentava muitas situações que com seu barco a vela, a velejadora jamais havia sonhado em desafiar. Ela então começou a usar sua sensibilidade para criar uma atmosfera mais acolhedora dentro do navio, de forma que ele ficasse um pouco menos cinza, um pouco menos belicoso e mais aconchegante e agradável. O proprietário do navio gostava muito dos novos ares trazidos pela velejadora e passou a sentir mais prazer em passar seu tempo em seus aposentos e os ambientes que ela havia transformado.
A velejadora, entretanto, sabia em seu íntimo, que deveria seguir o chamado de seu espírito e continuar sua jornada em direção ao aprimoramento de seus conhecimentos e habilidades para enfrentar desafios maiores. Ela então vislumbrou uma possibilidade de assim fazer e permanecer na companhia do proprietário do navio, com quem ela agora já havia conquistado uma grande intimidade. Ela imaginou que eles pudessem navegar juntos no navio, com o barco a vela içado ao lado do navio, só que deveriam planejar o itinerário alternando a navegação a vela e a navegação a bordo. O navio poderia cobrir grandes distâncias, mas o veleiro poderia desvendar lugares exóticos e inexplorados. Poderiam fazer uso do melhor que cada um havia conquistado e somar.
O proprietário do navio a princípio concordou e a velejadora então partiu para conhecer melhor todas as partes do navio. Foi então que ela percebeu, na popa do navio, uma coisa que não havia visto antes: correntes. Correntes muito grossas, enferrujadas e muito pesadas. O proprietário, a princípio, ignorou as perguntas insistentes da velejadora sobre as correntes, mas aos poucos começou a se irritar com a insistência. Ele não via porque as correntes incomodavam tanto! Elas sempre haviam estado lá e isso não havia sido nenhum empecilho antes. Por que raios ela estava tão incomodada agora! A velejadora achou por bem parar com o questionamento e tentou, por um tempo, ignorar ela também as correntes... Ela começou a conhecer melhor vários outros lugares do navio, mais sombrios, nunca visitados antes. Uma tristeza foi se instaurando nela. Seu barco a vela havia sido largado por mais tempo do que o recomendável, e a madeira já dava sinais claros de desgaste. Ela precisava voltar a velejar e cuidar de seu barco como antes, mas as correntes impediam que o navio também a acompanhasse, como ela havia imaginado.
As correntes estavam lá há muitos anos. Elas eram totalmente desnecessárias agora que o navio, depois de muito trabalho e investimento, havia se tornado uma embarcação verdadeiramente poderosa! O fato é que, por alguma razão, o proprietário havia se acostumado com as correntes e, mais do que isso, ele achava que elas eram parte integrante do seu navio, sem as quais o navio poderia afundar. Ele não percebia que as correntes estavam enraizadas muito profundamente no fundo do mar e que o impediam de seguir em frente. Ele não percebia nem mesmo a quantidade de energia gasta para arrastar o navio à frente, desnecessariamente, por causa das correntes.
Na verdade há tempos que o proprietário percebia que sua embarcação tão poderosa, não estava sendo utilizada da forma mais eficiente. Ele poderia navegar de forma mais tranqüila e prazerosa. Ele poderia desfrutar melhor do que já havia conseguido... mas ele não queria largar as correntes para trás.  Ele já havia até contratado consultores caros e, freqüentemente, se debatia em questionamentos, mas quando alguém apontava que o problema eram as correntes, ele ficava MUITO irritado.
A velejadora foi aos poucos adoecendo... Ela precisava seguir seu destino, mas não queria deixar o proprietário do navio para traz. Este, por sua vez, não entendia por que ela estava tão doente e se ressentia da perda dos tempos de alegria e prazer em que caminhavam lado a lado simplesmente... Ele começou a buscar alegria em outros lugares.Passava agora horas no rádio se comunicando com portos distantes, culpando a tristeza da velejadora pelo estado atual das coisas.
A comunicação entre a velejadora e o proprietário do navio começou a ficar cada vez mais truncada e difícil. Eles foram ficando mais distantes e a velejadora não teve alternativa, senão partir. Baixou seu barco a vela ao mar novamente, limpou o deck, cuidou do mastro, das velas e do casco. Içou as velas e voltou a navegar. Lentamente ela segue em direção ao seu destino e o proprietário a observa, distante e triste. Por um tempo ele ainda poderá alcançá-la, mas ele terá que largar as correntes.

Texto: Cuca Righini
Fotos: Cuca Righini